No outro dia fomos cedo até a invasão.
Eu ainda estava um pouco fraco, por causa não só da ressaca que ainda sentia,
mas também por não alimentar-me direito. Mesmo assim enfrentei. Andamos
bastante. Parecia que nunca chegaríamos. Cerca de uma hora e meia depois de ter
saído, chagamos. Um lugar muito bonito. Uma área plana e bem valorizado. Valia
a pena investir. Peguei uma enxada, dona Antônia outra e começamos a limpeza.
Chegando a tarde já havíamos acabado. Retornamos ao Paranoá, chegando em casa
combinamos qual seria a melhor maneira de nos mudar, pois não dava mais como
permanecermos no aluguel. Já que dona Antonia não estava mais trabalhando e meu
salário era pouco. Dessa forma nunca iríamos conseguir ter nada. De repente,
uma grande idéia:
- Olha dona Antonia, vamos fazer assim,
com o restante do dinheiro vamos comprar umas madeiras usadas, umas telhas,
maderites e pregos, então faremos um barraquinho. Compraremos somente um saco
de cimento para fazermos o piso e então cairemos pra dentro. Só assim
conseguiremos sair do aluguel. Já morando lá, teremos condições e mais ânimo
para realizarmos o seu sonho, que é a sua casa. Olha Toinha, vai dar trabalho,
mas conseguiremos.
Fomos até a minha vó, dona Júlia, e
comentamos com ela o nosso plano. Minha vó era muito rude. Mas em alguns
momentos seu coração amolecia um pouco. Graças a Deus, nesse momento seu
coração estava mole. Ao falar do nosso plano a ela disse então a ela:
- Vó, como nós iremos fazer apenas um
cômodo não poderemos levar todas as nossas coisas, queremos deixar as nossas
coisas por aqui e quando pudermos crescer um pouco o barraco, viremos
buscar-las. Mas não poderemos continuar a pagar aluguel, será que a senhora
poderá nos ajudar?
Ela disse que poderia. Nem acreditei,
porém era verdade. Como combinamos fizemos compramos as madeiras e construímos
o nosso barraco. Ficou um pouco torto, no entanto não caí em nossas cabeças.
Detalhe, o nosso dinheiro não deu para comprar o cimento. Dona Antonia então
improvisou forrando o chão com uma lona preta. Ficou ótimo. Que alegria sentia
dona Antonia. Naquele barraco de madeira que ficou todo tordo, pois eu não sou
profissional. Pouco sei de como fazer barraco. Mesmo assim, eu via a sua
alegria, que agora explodia em seu rosto. Comigo mesmo jurava que não mais
faria dona Antonia sofrer. Por Deus eu jurava.
Os dias foram passando. Continuei de
férias. Visitava minha vó periodicamente para saber sobre os móveis que por lá
deixamos. Era um guarda-roupas, uma cama de casal e uma geladeira velha. Isso
era tudo que tínhamos e dávamos muito valor. Certa feita viu em um parachoques
de um caminhão que dizia: “Não tenho tudo que amo, mas amo tudo que tenho.”
Essa frase sempre me chamou atenção, e sempre trago-a na memória. Valeu a pena,
pois hoje sei amar as mínimas coisas.
Minhas férias estavam chagando ao fim.
Certo dia, a invasão foi cercada pela polícia. Tal invasão tinha crescido
assustadoramente. Em menos de um mês já eram mais de 12 mil famílias, cerca de
50 mil habitantes. A justiça não queria aceitar a gente morando por ali.
Alegava que por se tratar de um terreno da União, teríamos de nos retirar dali.
Ali tinha um homem que sempre defendeu a nossa causa. Seu nome, Pedro Barbudo.
Juntamente com outros homens, tais como Enio Bastos (O advogado dos pobres) se
uniram com o povo e conseguiram defender a nossa causa. Não só vieram a polícia
de choque, mas também a cavalaria, inclusive carros tanques o que fez parecer
uma guerra. Mas não abrimos mãos dos nossos sonhos, a nossa casa própria.
Dona Antonia, no entanto chorava muito.
Tinha medo que não conseguiríamos vencer e voltaríamos a estaca zero. Mas eu
sempre a encorajava dizendo que tudo iria dar certo. Isso a acalmava, porém
ainda chorava. Lutamos bravamente, sem recuar. Até que o nosso advogado
conseguiu uma liminar que suspendia a retirada dos invasores. Que festa! Que
alegria! O povo pulava e gritavam os nomes desses dois “heróis” Pedro Barbudo e
Enio Bastos (Advogado dos pobres). Novamente pude enxergar aquele brilho,
aquela felicidade nos rosto de dona Antonia. Isso me deixava maravilhado.
Conseguimos, a vitória é nossa!
Mais uma vez inventei de ir comemorar
essa vitória. Tomei uma pequena dose de pinga. Isso foi o suficiente para
passar toda aquela noite bebendo. A partir daí não consegui ficar nenhum só dia
sem beber. Parecia que eu estava mais forte, pois não ficava mais embriagado.
Conseguia agora manter as minhas responsabilidades. Puxa, como fui imaturo.
Terminadas as férias, voltei ao
trabalho. Não era mais o mesmo. Antes das férias fui aquele funcionário
dedicado, exemplar. Fazia de tudo para mostrar o meu potencial. E agora como
seria? Fiquei um ano sem beber. Esse povo não me conhece bebendo. Agora bebo
todos os dias. Não posso beber em serviço. Já havia perdido vários empregos por
isso. Fui funcionário publico, perdi por causa da bebedeira. Fui vendedor em
uma loja, perdi por causa da bebida. Fui porteiro em um condomínio de luxo,
perdi por causa da bebida. Trabalhei em uma conceituada panificadora, também
perdi por causa da bebida. Essa lista é quilométrica, não posso perder, de
maneira alguma, esse emprego. Dona Antonia precisa de mim. Meus filhos precisam de mim. E eu por minha
vez, preciso muito desse emprego. Não decepcionarei nem a mim nem a ninguém.
Continuarei da forma de antes. Que Deus me ajude!
Não consegui mais ir à igreja. Vez por
outra eu ia, mas não tinha forças para continuar. Periodicamente a justiça
enviava soldados para nos retirar de lá. Porém, ajudados por Pedro Barbudo e
por Enio Bastos, sempre conseguíamos vencer. Aproximadamente quatro meses
depois conseguimos então aumentar o nosso barraco. Construímos mais dois
cômodos de madeira. O que possibilitou que dona Antonia mandasse buscar os
móveis que haviam ficado na casa de minha vó. Ela teve que mandar buscar antes
de construirmos, pois minha vó alegava que tinha que alugar o barraco e que as
nossas coisas estavam dando a ela esse prejuízo. Buscamos os móveis e deixamos
na casa do visinho. Interessante é que depois disso o barraco nunca foi
alugado. Mas tudo bem. Nosso barraquinho agora tinha dois cômodos a mais,
fizemos o piso. Estava um brinco. Isso deixava dona Antonia muito feliz, alegre
e cantando a toa.
Eu continuava trabalhando, de vez
enquanto enchia a cara no trabalho, meus colegas me escondiam do chefe. Dessa
forma fiquei nessa empresa um ano e nove meses. Até que um dia o nosso
supervisor me disse:
- João, a partir de hoje, você será o
novo fiscal da empresa.
Não acreditei. Um cachaceiro como eu,
fiscal? Mas esse supervisor me conheceu antes das férias. Eu não era mais o
mesmo. Tinha mudado para pior. Mas ao mesmo tempo eu fiquei muito feliz pelo
convite. Na verdade, eu tinha feito uma boa base. Pois no início, antes das
férias, sempre fui um funcionário dedicado, responsável e com muita
responsabilidade. Se for para me justificar, pelo meu retrospecto, eu mereci
essa promoção. De bom grado eu aceitei, acreditando que poderia mudar com essa
nova responsabilidade.
Ao chegar em casa, contei para dona
Antonia, isso a deixou preocupada, por saber que seria muito difícil para mim,
principalmente por que estava bebendo muito e chegava em casa quase todos os
dias embriagado. Sem contar às noites que passava na rua bebendo. Novamente a
tristeza invadiu o meu lar.
Dona Antonia fingia estar feliz. Por
muitas das vezes eu a encontrava chorando dentro do quarto. Para mim não havia
motivos para tantas lágrimas. Porém, isso era exatamente porque eu tinha
voltado a beber e ela tinha muito medo de não conseguir aquilo que ela tanto
sonhou, que era me ajudar.
Um dia, dona Antonia me disse:
- João, me ajuda a te ajudar.
Eu fingia não entender e saía para o
primeiro boteco que via na frente. Eu não conseguia ficar mais sóbrio. No
trabalho, agora fiscal, responsabilidade dobrada. Na verdade, quem terminava
fazendo o meu serviço eram os próprios garis. Eu havia me transformado em um
verdadeiro irresponsável. Não ligava para nada. Meus colegas estavam assustados
e se perguntavam como uma pessoa pode mudar tanto em tão pouco tempo. Eles não
entendiam. Não me conheceram bebendo. Pois quando eu entrei na empresa não
bebia. Agora sou um verdadeiro pau d’água. Isso para eles foi um grande choque.
Meus colegas faziam de tudo para me ajudar, esforçando-se para que eu não
perdesse o emprego. Até que um dia um dos fiscais me disse:
- João, eu gosto muito de você, quero o
seu bem. Dei-te o maior apoio quando você foi apontado para ser fiscal. Ensinei-te
o trabalho, enfim, ajudei-te da melhor forma possível. Agora ao te ver dessa
forma, João, bebendo e embriagado no serviço. Quantas vezes eu via os garis,
que trabalham com você entrando contigo completamente embriagado. João, o
supervisor perguntou por você e eu disse que você estava bem. Porém ele me
perguntou por que os garis entraram com você no vestiário. Eu lhe disse que não
sabia. Portanto, meu amigo, você lembra-se do seu primeiro dia? Você trabalhou
extraordinariamente muito bem. Gostei muito mesmo do seu desempenho. No final
te parabenizei dizendo que você tinha tudo para crescer dentro da empresa. Pois
bem João, Infelizmente você tinha tudo para crescer dentro da empresa, hoje
você não tem. Mas te pergunto: Onde está aquele João que nos impressionava com
o seu dinamismo, com seu desempenho e responsabilidade? Meu amigo, hoje você
falta serviço e quando vem para trabalhar, ao invés de trabalhar faz é dar
trabalho por estar embriagado. O que está acontecendo com você?
Naquele momento as lágrimas desciam como
chuva, eu não conseguia mais me controlar. Não dava mais para me controlar. Voltei
gradativamente a beber demais. Eu estava bebendo mais que antes. Dona Antonia
fazia de tudo para me ajudar, mas dessa vez sem sucesso. Puxa como ela sofria comigo.
Eu saía para beber e não voltava para casa. Ela não dormia preocupada comigo.
Saía altas horas da noite para tentar me encontrar, mas não encontrava.
Novamente fiz da minha vida um grande caos.
Terminando o fiscal de falar comigo
disse:
- João, eu quero nesse final de semana
ir à tua casa, passar o dia com você.
Ele era um ótimo amigo, e tudo isso era
exatamente para evitar que eu fosse novamente ao boteco. Tudo bem, e ficou
assim. No próximo final de semana ele iria para minha casa. Chegando em casa,
falei com dona Antonia, ela aceitou de muito bom gosto. Cuidou de todos os
preparativos para receber o meu amigo. Eu sempre comentei sobre ele.
Principalmente pelo fato de ainda continuar trabalhando por causa dele. Por ser
ele o responsável por qualquer irresponsabilidade dos fiscais, nunca citava meu
nome em seus relatórios. Por isso eu continuava trabalhando.
Chegando o final de semana, ele foi para
minha casa. Chegou bem cedo, como prometera. Conversamos bastante. No dia
anterior não bebei. Foi difícil, mas consegui. Conversamos sobre o trabalho,
sobre o salário, sobre a vida. Enfim, falamos sobre muitos assuntos. Ele
conheceu dona Antonia, amou-a. principalmente a forma da qual nós nos
conhecemos. E a sua determinação em me ajudar que pusera em seu coração. E
mesmo passando por todas essas decepções comigo, jamais desistira. E ele dizia
para ela:
- A senhora, para mim, é uma grande
heroína. A senhora vai conseguir. Nunca desista. Continue com essa tua força.
Eu acredito nessa tua força, nessa tua garra. Você esta de parabéns.
Dona Antonia ficava maravilhada com
aquelas palavras. Confesso que eu também. Mesmo que eu não estava me esforçando
para não beber. Mas, de alguma forma, as palavras do meu amigo mexeram comigo.
E a primeira frase que vinha na minha mente era: “João me ajude a te ajudar.”
Naquela hora senti um arrepio sobre todo o meu corpo. Alguma coisa tinha que
mudar em minha vida.
A invasão era um local muito perigoso.
Havia muitos assaltos e furtos nas casas. Pessoas eram assaltadas na rua independente
do horário. Andavam armados. A polícia até que passava por lá, sem poder fazer
muita coisa, pois a invasão era imensa. Muitas atrocidades aconteciam em nossa
região. Mas me proíbo em contar detalhes.
Nesse mesmo dia, aconteceu em minha casa
um fato que faço questão de comentar-lhes. O fiscal estava por lá esse final de
semana. As horas avançaram sem que percebêssemos. Almoçamos, lanchamos, rimos,
choramos. Contamos histórias e ouvimos estórias. Contamos piadas, relembramos
coisas boas e ruins. Aproximando por volta das 18 horas. Em meu lote não havia
ainda muros. Dona Antonia, cercou-o apenas com madeiras usadas que ela comprava
e vendia para assim ajudar nas despesas. Não tinha água encanada. Com muita
luta conseguimos abrir um poço. Tinha um pequeno portão que ficava todo o tempo
fechado. Como disse, era um lugar muito perigoso. Não podíamos arriscar. A
porta da frente estava aberta. De repente, não sei por qual motivo, alguém
lançou um coquetel molotov em minha casa. Existia um sofá velho em minha casa,
que alguém havia jogado fora, eu o peguei e coloquei em minha casa. O vidro de
gasolina, como fosse uma grande lamparina, foi lançado. Nossa sorte foi que o
vidro não quebrou, caiu sobre o nosso sofá. A gasolina com o fogo derramou. O
fogo subia sobre os maderites. O sofá todo em chamas. Dona Antonia vestia um
vestido rodado, o fogo subiu sobre suas vestes. O amigo focou todo queimado. Queimei-me
também. Foi uma gritaria. Entramos em pânico. Os gritos de socorro se ouviam ao
longe. Mesmo assim lembrei que existiam uns tambores de água que sempre estavam
cheios. Peguei o edredom ensopei com água e abafei o fogo. Primeiro de dona
Antonia, lançando sobre ela o edredom. Depois o meu colega e também o fogo que
estava em minhas pernas. Deu tempo de salvar uma boa parte do barraco. Não sei
com fui tão rápido, mas consegui. Ao sairmos ninguém avistamos. Meu amigo ficou
horrorizado. Fomos então até a polícia, comunicamos o fato, porém nada foi
resolvido. Meu amigo disse:
- Graças a Deus estamos vivos.
Ele era evangélico, e naquele momento
nos convidou para fazermos uma oração agradecendo a Deus por ter poupado as
nossas vidas. Após orarmos ele despediu-se prometendo voltar. Ele então voltou,
e voltou para ficar, pois comprou um lote na invasão e tornou-se também um dos
moradores. A partir de então as coisas não foram, mas as mesmas. Eu queria de
qualquer forma vender o meu lote e sair dali.
Como disse, fiquei muito desesperado com
tudo aquilo. Principalmente pelo fato de não ter nada contra ninguém, pelo
contrário, éramos sempre amigos das pessoas. Fomos os primeiros moradores. As
pessoas que futuramente viriam a morar ali também vinham, passavam o dia e a
noite ia embora e pedia-nos para cuidar de seus lotes deixando os seus números
de telefones para qualquer eventualidade que surgisse ligássemos. E geralmente,
essas pessoas almoçavam com a gente, serviam-se da água do nosso poço e sempre
nos deram o maior valor devido a nossa cordialidade. Agora, acontecendo uma
coisa dessas. Sempre bebi, mas não tenho contenda com ninguém, pelo contrário,
tenho é muitos amigos. Logo hoje que o Edmar estava por aqui. Bem, ele disse
que voltaria, mas que imagem ele terá desse lugar? Falei com dona Antonia, não
fico mais nenhum minuto por aqui. Morarei em qualquer lugar, menos aqui. Dona
Antonia, no entanto, nada falava, apenas ouvia-me. Ela estava muito abalada com
tudo, não entendendo o porquê daquele acontecido.
Tínhamos um amigo que morava no Paranoá
que sempre nos apoiou em tudo. Era um profundo conhecedor da luta de dona Antonia
para me ajudar a para de beber. Deus que ilumine esse nosso amigo. Nós o
chamávamos de irmão Joelito. Pois bem, entramos em contato com o irmão Joelito,
contamos-lhe o fato. E dissemos que não permaneceríamos mais naquele lugar. Não
entendíamos o que teríamos feito para que fizessem isso conosco. Dona Antonia
chorava muito. Estava desconsolada. O irmão Joelito convidou-nos para passar a
noite em sua residência e pela manhã ele nos ajudaria no que fosse possível. E assim
o fizemos.
No dia seguinte, fomos a um vilarejo
chamado Jardim ABC. Encontramos alguns lotes, casas construídas e muitas
pessoas interessadas em trocar com a gente. Porém, o lugar era tão feio, cheio
de altos de baixos, muito mato. Sem nenhuma infra-estruturar. Principalmente
porque este lugar já existia como vilarejo a mais de 15 anos. Fiquei a meditar
sobre tudo aquilo. O irmão Joelito, muito sábio, nada nos falava a respeito.
Simplesmente observava a nossa decisão. Olhamos vários lotes e casas, porém,
nenhuma delas me agradou.
Chamei a dona Antonia em particular e
lha disse:
- Toinha, eu sei que você está muito
abalada por tudo o que aconteceu conosco. Agora, quero que você reflita comigo:
não temos inimigos na invasão, muito pelo contrário, fizemos foi muitos amigos.
Sempre que pudemos, recebemos as pessoas em nossa casa, independente de
conhecê-las ou não. Agora, isso ter acontecido conosco sem razão alguma. Você
não acha que estamos fugindo de algo que não sabemos? O que é mais certo: vir
para este lugar sem valor, para o meio do nada? Ou enfrentarmos a realidade e
assim, mantermos o pensamento de que quem não deve não teme?
Naquela hora, dona Antonia olhou para
mim, com aquele olhar de felicidade e admiração e disse-me:
- Olha meu velho, mesmo que tenha
acontecido tudo isso conosco. Eu confesso que fiquei muito abalada. Chorei
muito, tinha mesmo que chorar. Fiquei com medo. Não queria que fosse assim,
infelizmente foi. Determinei naquela hora em meu coração, permanecer por ali e
assim, enfrentar o que por ventura viesse. No entanto, ao mesmo tempo, essa
decisão teria que partir de você. Em hipótese alguma eu poderia tomar essa
decisão sozinha. Conversei muito com o irmão Joelito enquanto você dormia. Foi
então que ele me disse: “Olha irmã, o deixa tomar a decisão, porém vamos orar
para que o irmão possa tomar a decisão certa.
Puxa, naquela hora senti-me muito
valorizado. Então, resolvemos permanecer na invasão e não trocar o nosso lote.
Voltamos para casa.
Agora, eu já fiscal, o meu salário
aumentou um pouco. Porém, minha credibilidade diminuiu na empresa. Os dias
foram passando e cada dia eu bebia mais. Não conseguia me controlar. Dona
Antonia ficava horrorizada comigo. Ia às igrejas, fazia campanhas. Fazia de
tudo para me ajudar, de nada adiantava. Eu estava totalmente dependente do
álcool. Quando não bebia, todo meu corpo ficava trêmulo. Eu precisava beber. A
bebida para mim era como o alimento. Não poderia viver sem ela. Embriagava-me
todos os dias. Como dona Antonia sofria com isso. Muitas das vezes as pessoas
passavam e diziam: “Olha dona Antonia, eu vi João Carlos caído em tal lugar.”
Ela ia correndo para me buscar. Quando eu acordava, estava em casa banhado, com
roupas limpas e deitado em minha cama. Não consegui cumprir a minha promessa de
nunca mais fazer dona Antonia sofrer. Sou irresponsável.
O Edmar, nosso fiscal, fazia de tudo
para que eu permanecesse no emprego. Cobria as minhas faltas, abonava os dias
que eu não ia trabalhar devido a embriagues. Orientava aos garis que não
comentassem nada sobre mim. Sempre dizia que eu estava passando por uma pressão
psicológica muito forte. Os garis compreenderam isso. Eles gostavam muito de
mim. Isso durou um bom tempo. Edmar, sempre conversava comigo, porém de nada
adiantava. Dona Antonia falava de nada adiantava. Até mesmo o irmão Joelito falava
muito, de nada adiantava. Meus irmãos vendo a luta e a dedicação de dona
Antonia para me ajudar, também tentaram, porém de nada adiantara.
Eu tinha que beber. A sede era grande.
Não dava para beber sem a bebida. Era impossível. Meus filhos não moravam mais
em Brasília, sua mãe adquiriu um lote na invasão e o vendeu, voltando assim
para o Piauí. Mas, quando eles estavam por aqui, sempre me pediam para parar de
beber, imploravam para mim. Mesmo com esses pedidos eu não conseguia parar de
beber. Até que um dia, estando trabalhando, senti um grande desejo de beber.
Olhei ao meu redor, não vi ninguém. Apressadamente entrei no primeiro boteco e
pedi uma pinga. Tomei-a em um só gole. A partir desse momento não parei mais.
Fiquei completamente bêbado. Perdi as folhas de presença dos garis. Até o
jaleco que usava escrito fiscalização, celular, documentos. Como disse, estava
completamente embriagado. Naquele dia completaria um ano e nove meses que eu
trabalhava naquela empresa. Alguém me viu e eu fui mandado embora. Graças ao
meu amigo, o Edmar. Recebi os meus direitos trabalhistas. Não sei como ele
conseguiu. Recebi as contas e lhas entreguei a dona Antonia e as seis parcelas
do seguro desemprego.
Infelizmente, continuei bebendo muito,
bem mais do que antes. Transformei-me em um verdadeiro mendigo novamente.
Dormia em matos, nas calçadas, nas paradas de ônibus. Eu ficava dias sem tomar
banho. Não me alimentava. Sempre dona Antonia ia atrás de mim chorando,
implorando para que eu voltasse. Eu não voltava. Ela ia embora desconsolada e
chorando por não ter conseguido me ajudar.
As pessoas diziam para ela: “Desista
dona Antonia, você não vai conseguir, ali é um caso perdido.” Mas sempre ela
respondia: “nunca desistirei dele, eu vou conseguir. Nem que seja a ultima coisa
que eu faça nessa vida. Não desistirei.” E respondiam: “Você está louca.” Mas
ela dizia: “Deixe-me com minha loucura.”
Dona Antonia nunca desistiu de mim pelo
fato de que o dinheiro das contas terem ficado com ela, fez uma grande feira. O
seguro, ela mesmo buscava no caixa eletrônico. Ou seja, ela tomou conta de
tudo. Por minha vez, eu bebia para dormir e acordava para beber. Fiz novamente
da minha vida, um lixo. Pois foi no lixo que decidi viver.