domingo, 4 de setembro de 2011

O que meu cachorro tinha haver com minhas bebedeiras?


Meus irmãos não falavam mais comigo. Tinham vergonha de mim. Meus primos, primas não me conheciam mais. Um dia, eu estava na roda, dona Júlia, minha avó, passou e disse:
- Dê-me a felicidade de morrer e saber que você não bebe mais? – assim disse, mencionando o meu nome completo: João Carlos Novaes Santos.
Ela continuou dizendo:
- Quando isso acontecer, repetirei o seu nome, e direi que você é o meu neto.
Eu nada entendi, não estava embriagado, mas a mente não estava tão sã, para entender o que seria toda aquela conversa.
Dona Antonia fazia muitas tentativas para que eu não bebesse. Um dia, ela pediu a um amigo, que havia trabalhado comigo, para tentar convencer-me a voltar para casa. Porém eu não fui.
Certa feita, ela disse aos colegas da roda para não me deixaremeu beber. Um deles disse a dona Antonia:
- Se ele não beber aqui ele bebe em outro lugar.
- Mas ele não tem dinheiro. – Ela disse.
Ele sorriu e respondeu:
- João não precisa de dinheiro para beber. Ele chega ao boteco, canta uma música e assim sai de lá bêbado. Ele canta muito bem e as pessoas gostam. No entanto dona Antonia, nós poderemos até tentar impedi-lo que beba com a gente. No entanto, não posso prometer que isso dará certo. Ok?
Ela disse:
- Filho, obrigado, assim vocês estarão prestando uma grande ajuda.
E assim eles fizeram.
Um dia cheguei à roda e me impediram de beber. Fiquei com muita raiva. Imaginem o que fiz?
Tínhamos um cachorro da raça belga. Um cão de grande porte, muito valente. Adquirimos este cão logo após aquele incidente em nossa casa. Ganhei-o ainda filhote. Trouxemos na palma da mão. Ele deu muito trabalho. Ficou doente. Levamos ao veterinário que nos disse que dificilmente escaparia e que só Deus poderia ajudar. Dona Antonia não pensou duas vezes: pegou o Panda, nosso cachorro, e correu para a Igreja, lá chegando o pastor não queria deixá-la entrar com o cachorro. Ela então fez o maior escândalo e dizia:
- Porque não posso entrar? Quem vocês pensam que são? Está é a casa de Deus. E o meu cachorro está nas mãos de Deus. Portanto, nem você e nem ninguém irá impedir que Deus cure o meu cachorrinho. Se possível for irei atrás da justiça, mas entrarei com o meu cachorro.
Esse assunto chegou até a diretoria da igreja. Nesse momento as pessoas se aglomeravam no local, curiosas para saber o que aconteceria. Alguém gritava em voz alta: “Vocês não podem impedir, os animais foram criados por Deus.” Fizeram uma campanha de oração em favor da cura do Panda. Em uma semana, dona Antonia retornou ao veterinário que constatou que o Panda, nosso cachorrinho, estava completamente curado. Dona Antonia agradecia a Deus todos os dias, todas as horas. Como ela amava aquele cachorro. Ela conseguiu.
Voltando aquela cena em que não me permitiram beber. Recordando-vos, estava injuriado. Nesse dia o Panda já estava grande, já tinha uns oito meses. Portanto, todos o temiam. Sempre que estava em casa, sem beber, eu saia com ele para passear. Mas naquele momento, fui a casa, dona Antonia acho que eu tinha voltado para ficar, ela disse: “Oh meu velho, que bom que você voltou.” Tinha cerca de uma semana que eu não vinha em casa, só bebendo. Mas, naquele momento, eu não voltei para ficar. Peguei o Panda e fui direto para a roda. Dona Antonia nada entendia. Mas ficou preocupada, pelo fato de que eu não estava totalmente sóbrio. E ela sabia que quando eu estava bebendo não saia com o Panda. E naquela hora, ao ver-me saindo com ele, algo estava errado, pensou.
Pois bem, chegando a roda, fui em direção ao litro de pinga. Alguém tentou pegá-lo, mas o Panda era do tipo que saia puxando quem o levava. A corda era grande, sendo assim, temeram pegar o litro de mim. Segurei o Panda bem perto do litro. Aproximei-me, sentei e comecei a beber. Eles olhavam e diziam:
- Puxa João, deixa pra gente.
Eu respondia:
- Ninguém beber, e aquele que se atrever vão ter que enfrentar o meu cachorro.
Um dos que bebiam, pegou algumas pedras para tentar afugentá-lo, mas eu disse:
- Panda, pega!
E fingia que iria soltá-lo. Nesse momento ninguém se atreveu a enfrentá-lo, simplesmente me observaram até secar aquele litro. Nisso eu adormeci. Amarrei o Pando, amarrei em um cajueiro, no local onde colocávamos a pinga para protegê-la do sol. Quando acordei já estava anoitecendo, o Panda já não estava comigo. Perguntei para os colegas, ninguém queria falar nada. Eles estavam com muita raiva de mim, eu não os tinha deixado beber. Mas no meio deles, tinha um que era muito meu amigo, inclusive falava que um dia ele iria para de beber e sempre me convidava a fazer o mesmo. Ele disse:
- Olha João, dona Antonia veio aqui e o levou.
Eu tinha uma ligeira impressão que só poderia ser a dona Antonia, porque ninguém se atreveria a aproximar-se do Panda. E aquele colega que chamávamos de Zeca prosseguiu:
- A dona Antonia chegou num carro e levou o seu cachorro para casa.
O carro era de um amigo da família que sempre estava disposto a ajudar a dona Antonia, devido a sua incansável luta comigo, seu nome era Epitácio. Por muitas das vezes, saía altas horas da noite com a dona Antonia para me ajudar. Como me encontravam várias vezes deitado nas calçados e ao avisarem a dona Antonia que chamava logo o Epitácio para ajudar a me buscar para casa. No entanto, naquele dia foram buscar o Panda. Dona Antonia, por ter um ciúme doentio do Panda, ficou enfurecida comigo. E dizia: “O Panda é um presente de Deus para mim. Ela poderia ficar com fome, porém o Panda não.” Ela o tratava como um verdadeiro filho. Como ela ficou preocupada com seu cachorro. E agora, Epitácio ter que dirigir com uma fera feito o Panda o encarando. Foi difícil, eu sei, mas conseguiram chegar em casa.
Bem, agora que eu já sabia de toda a história, beberia mais um pouco e iria para os pinheiros dormir. Eu bebia até altas horas, nem se lembrava de casa. Dona Tonha chorava muito, preocupada comigo. Acendia velas e fazia promessas para todos os santos para que eu parasse de beber. O quintal de minha casa parecia uma capela por causa da quantidade dos restos de velas espalhados pelo chão. Ela sempre se preocupou comigo, desde o primeiro dia que me viu. Portanto, aquele dia eu iria dormir no pinheiro.

Eu bebia para dormir e acordava para beber.


No outro dia fomos cedo até a invasão. Eu ainda estava um pouco fraco, por causa não só da ressaca que ainda sentia, mas também por não alimentar-me direito. Mesmo assim enfrentei. Andamos bastante. Parecia que nunca chegaríamos. Cerca de uma hora e meia depois de ter saído, chagamos. Um lugar muito bonito. Uma área plana e bem valorizado. Valia a pena investir. Peguei uma enxada, dona Antônia outra e começamos a limpeza. Chegando a tarde já havíamos acabado. Retornamos ao Paranoá, chegando em casa combinamos qual seria a melhor maneira de nos mudar, pois não dava mais como permanecermos no aluguel. Já que dona Antonia não estava mais trabalhando e meu salário era pouco. Dessa forma nunca iríamos conseguir ter nada. De repente, uma grande idéia:
- Olha dona Antonia, vamos fazer assim, com o restante do dinheiro vamos comprar umas madeiras usadas, umas telhas, maderites e pregos, então faremos um barraquinho. Compraremos somente um saco de cimento para fazermos o piso e então cairemos pra dentro. Só assim conseguiremos sair do aluguel. Já morando lá, teremos condições e mais ânimo para realizarmos o seu sonho, que é a sua casa. Olha Toinha, vai dar trabalho, mas conseguiremos.
Fomos até a minha vó, dona Júlia, e comentamos com ela o nosso plano. Minha vó era muito rude. Mas em alguns momentos seu coração amolecia um pouco. Graças a Deus, nesse momento seu coração estava mole. Ao falar do nosso plano a ela disse então a ela:
- Vó, como nós iremos fazer apenas um cômodo não poderemos levar todas as nossas coisas, queremos deixar as nossas coisas por aqui e quando pudermos crescer um pouco o barraco, viremos buscar-las. Mas não poderemos continuar a pagar aluguel, será que a senhora poderá nos ajudar?
Ela disse que poderia. Nem acreditei, porém era verdade. Como combinamos fizemos compramos as madeiras e construímos o nosso barraco. Ficou um pouco torto, no entanto não caí em nossas cabeças. Detalhe, o nosso dinheiro não deu para comprar o cimento. Dona Antonia então improvisou forrando o chão com uma lona preta. Ficou ótimo. Que alegria sentia dona Antonia. Naquele barraco de madeira que ficou todo tordo, pois eu não sou profissional. Pouco sei de como fazer barraco. Mesmo assim, eu via a sua alegria, que agora explodia em seu rosto. Comigo mesmo jurava que não mais faria dona Antonia sofrer. Por Deus eu jurava.
Os dias foram passando. Continuei de férias. Visitava minha vó periodicamente para saber sobre os móveis que por lá deixamos. Era um guarda-roupas, uma cama de casal e uma geladeira velha. Isso era tudo que tínhamos e dávamos muito valor. Certa feita viu em um parachoques de um caminhão que dizia: “Não tenho tudo que amo, mas amo tudo que tenho.” Essa frase sempre me chamou atenção, e sempre trago-a na memória. Valeu a pena, pois hoje sei amar as mínimas coisas.
Minhas férias estavam chagando ao fim. Certo dia, a invasão foi cercada pela polícia. Tal invasão tinha crescido assustadoramente. Em menos de um mês já eram mais de 12 mil famílias, cerca de 50 mil habitantes. A justiça não queria aceitar a gente morando por ali. Alegava que por se tratar de um terreno da União, teríamos de nos retirar dali. Ali tinha um homem que sempre defendeu a nossa causa. Seu nome, Pedro Barbudo. Juntamente com outros homens, tais como Enio Bastos (O advogado dos pobres) se uniram com o povo e conseguiram defender a nossa causa. Não só vieram a polícia de choque, mas também a cavalaria, inclusive carros tanques o que fez parecer uma guerra. Mas não abrimos mãos dos nossos sonhos, a nossa casa própria.
Dona Antonia, no entanto chorava muito. Tinha medo que não conseguiríamos vencer e voltaríamos a estaca zero. Mas eu sempre a encorajava dizendo que tudo iria dar certo. Isso a acalmava, porém ainda chorava. Lutamos bravamente, sem recuar. Até que o nosso advogado conseguiu uma liminar que suspendia a retirada dos invasores. Que festa! Que alegria! O povo pulava e gritavam os nomes desses dois “heróis” Pedro Barbudo e Enio Bastos (Advogado dos pobres). Novamente pude enxergar aquele brilho, aquela felicidade nos rosto de dona Antonia. Isso me deixava maravilhado. Conseguimos, a vitória é nossa!
Mais uma vez inventei de ir comemorar essa vitória. Tomei uma pequena dose de pinga. Isso foi o suficiente para passar toda aquela noite bebendo. A partir daí não consegui ficar nenhum só dia sem beber. Parecia que eu estava mais forte, pois não ficava mais embriagado. Conseguia agora manter as minhas responsabilidades. Puxa, como fui imaturo.
Terminadas as férias, voltei ao trabalho. Não era mais o mesmo. Antes das férias fui aquele funcionário dedicado, exemplar. Fazia de tudo para mostrar o meu potencial. E agora como seria? Fiquei um ano sem beber. Esse povo não me conhece bebendo. Agora bebo todos os dias. Não posso beber em serviço. Já havia perdido vários empregos por isso. Fui funcionário publico, perdi por causa da bebedeira. Fui vendedor em uma loja, perdi por causa da bebida. Fui porteiro em um condomínio de luxo, perdi por causa da bebida. Trabalhei em uma conceituada panificadora, também perdi por causa da bebida. Essa lista é quilométrica, não posso perder, de maneira alguma, esse emprego. Dona Antonia precisa de mim.  Meus filhos precisam de mim. E eu por minha vez, preciso muito desse emprego. Não decepcionarei nem a mim nem a ninguém. Continuarei da forma de antes. Que Deus me ajude!
Não consegui mais ir à igreja. Vez por outra eu ia, mas não tinha forças para continuar. Periodicamente a justiça enviava soldados para nos retirar de lá. Porém, ajudados por Pedro Barbudo e por Enio Bastos, sempre conseguíamos vencer. Aproximadamente quatro meses depois conseguimos então aumentar o nosso barraco. Construímos mais dois cômodos de madeira. O que possibilitou que dona Antonia mandasse buscar os móveis que haviam ficado na casa de minha vó. Ela teve que mandar buscar antes de construirmos, pois minha vó alegava que tinha que alugar o barraco e que as nossas coisas estavam dando a ela esse prejuízo. Buscamos os móveis e deixamos na casa do visinho. Interessante é que depois disso o barraco nunca foi alugado. Mas tudo bem. Nosso barraquinho agora tinha dois cômodos a mais, fizemos o piso. Estava um brinco. Isso deixava dona Antonia muito feliz, alegre e cantando a toa.
Eu continuava trabalhando, de vez enquanto enchia a cara no trabalho, meus colegas me escondiam do chefe. Dessa forma fiquei nessa empresa um ano e nove meses. Até que um dia o nosso supervisor me disse:
- João, a partir de hoje, você será o novo fiscal da empresa.
Não acreditei. Um cachaceiro como eu, fiscal? Mas esse supervisor me conheceu antes das férias. Eu não era mais o mesmo. Tinha mudado para pior. Mas ao mesmo tempo eu fiquei muito feliz pelo convite. Na verdade, eu tinha feito uma boa base. Pois no início, antes das férias, sempre fui um funcionário dedicado, responsável e com muita responsabilidade. Se for para me justificar, pelo meu retrospecto, eu mereci essa promoção. De bom grado eu aceitei, acreditando que poderia mudar com essa nova responsabilidade.
Ao chegar em casa, contei para dona Antonia, isso a deixou preocupada, por saber que seria muito difícil para mim, principalmente por que estava bebendo muito e chegava em casa quase todos os dias embriagado. Sem contar às noites que passava na rua bebendo. Novamente a tristeza invadiu o meu lar.
Dona Antonia fingia estar feliz. Por muitas das vezes eu a encontrava chorando dentro do quarto. Para mim não havia motivos para tantas lágrimas. Porém, isso era exatamente porque eu tinha voltado a beber e ela tinha muito medo de não conseguir aquilo que ela tanto sonhou, que era me ajudar.
Um dia, dona Antonia me disse:
- João, me ajuda a te ajudar.
Eu fingia não entender e saía para o primeiro boteco que via na frente. Eu não conseguia ficar mais sóbrio. No trabalho, agora fiscal, responsabilidade dobrada. Na verdade, quem terminava fazendo o meu serviço eram os próprios garis. Eu havia me transformado em um verdadeiro irresponsável. Não ligava para nada. Meus colegas estavam assustados e se perguntavam como uma pessoa pode mudar tanto em tão pouco tempo. Eles não entendiam. Não me conheceram bebendo. Pois quando eu entrei na empresa não bebia. Agora sou um verdadeiro pau d’água. Isso para eles foi um grande choque. Meus colegas faziam de tudo para me ajudar, esforçando-se para que eu não perdesse o emprego. Até que um dia um dos fiscais me disse:
- João, eu gosto muito de você, quero o seu bem. Dei-te o maior apoio quando você foi apontado para ser fiscal. Ensinei-te o trabalho, enfim, ajudei-te da melhor forma possível. Agora ao te ver dessa forma, João, bebendo e embriagado no serviço. Quantas vezes eu via os garis, que trabalham com você entrando contigo completamente embriagado. João, o supervisor perguntou por você e eu disse que você estava bem. Porém ele me perguntou por que os garis entraram com você no vestiário. Eu lhe disse que não sabia. Portanto, meu amigo, você lembra-se do seu primeiro dia? Você trabalhou extraordinariamente muito bem. Gostei muito mesmo do seu desempenho. No final te parabenizei dizendo que você tinha tudo para crescer dentro da empresa. Pois bem João, Infelizmente você tinha tudo para crescer dentro da empresa, hoje você não tem. Mas te pergunto: Onde está aquele João que nos impressionava com o seu dinamismo, com seu desempenho e responsabilidade? Meu amigo, hoje você falta serviço e quando vem para trabalhar, ao invés de trabalhar faz é dar trabalho por estar embriagado. O que está acontecendo com você?
Naquele momento as lágrimas desciam como chuva, eu não conseguia mais me controlar. Não dava mais para me controlar. Voltei gradativamente a beber demais. Eu estava bebendo mais que antes. Dona Antonia fazia de tudo para me ajudar, mas dessa vez sem sucesso. Puxa como ela sofria comigo. Eu saía para beber e não voltava para casa. Ela não dormia preocupada comigo. Saía altas horas da noite para tentar me encontrar, mas não encontrava. Novamente fiz da minha vida um grande caos.
Terminando o fiscal de falar comigo disse:
- João, eu quero nesse final de semana ir à tua casa, passar o dia com você.
Ele era um ótimo amigo, e tudo isso era exatamente para evitar que eu fosse novamente ao boteco. Tudo bem, e ficou assim. No próximo final de semana ele iria para minha casa. Chegando em casa, falei com dona Antonia, ela aceitou de muito bom gosto. Cuidou de todos os preparativos para receber o meu amigo. Eu sempre comentei sobre ele. Principalmente pelo fato de ainda continuar trabalhando por causa dele. Por ser ele o responsável por qualquer irresponsabilidade dos fiscais, nunca citava meu nome em seus relatórios. Por isso eu continuava trabalhando.
Chegando o final de semana, ele foi para minha casa. Chegou bem cedo, como prometera. Conversamos bastante. No dia anterior não bebei. Foi difícil, mas consegui. Conversamos sobre o trabalho, sobre o salário, sobre a vida. Enfim, falamos sobre muitos assuntos. Ele conheceu dona Antonia, amou-a. principalmente a forma da qual nós nos conhecemos. E a sua determinação em me ajudar que pusera em seu coração. E mesmo passando por todas essas decepções comigo, jamais desistira. E ele dizia para ela:
- A senhora, para mim, é uma grande heroína. A senhora vai conseguir. Nunca desista. Continue com essa tua força. Eu acredito nessa tua força, nessa tua garra. Você esta de parabéns.
Dona Antonia ficava maravilhada com aquelas palavras. Confesso que eu também. Mesmo que eu não estava me esforçando para não beber. Mas, de alguma forma, as palavras do meu amigo mexeram comigo. E a primeira frase que vinha na minha mente era: “João me ajude a te ajudar.” Naquela hora senti um arrepio sobre todo o meu corpo. Alguma coisa tinha que mudar em minha vida.
A invasão era um local muito perigoso. Havia muitos assaltos e furtos nas casas. Pessoas eram assaltadas na rua independente do horário. Andavam armados. A polícia até que passava por lá, sem poder fazer muita coisa, pois a invasão era imensa. Muitas atrocidades aconteciam em nossa região. Mas me proíbo em contar detalhes.
Nesse mesmo dia, aconteceu em minha casa um fato que faço questão de comentar-lhes. O fiscal estava por lá esse final de semana. As horas avançaram sem que percebêssemos. Almoçamos, lanchamos, rimos, choramos. Contamos histórias e ouvimos estórias. Contamos piadas, relembramos coisas boas e ruins. Aproximando por volta das 18 horas. Em meu lote não havia ainda muros. Dona Antonia, cercou-o apenas com madeiras usadas que ela comprava e vendia para assim ajudar nas despesas. Não tinha água encanada. Com muita luta conseguimos abrir um poço. Tinha um pequeno portão que ficava todo o tempo fechado. Como disse, era um lugar muito perigoso. Não podíamos arriscar. A porta da frente estava aberta. De repente, não sei por qual motivo, alguém lançou um coquetel molotov em minha casa. Existia um sofá velho em minha casa, que alguém havia jogado fora, eu o peguei e coloquei em minha casa. O vidro de gasolina, como fosse uma grande lamparina, foi lançado. Nossa sorte foi que o vidro não quebrou, caiu sobre o nosso sofá. A gasolina com o fogo derramou. O fogo subia sobre os maderites. O sofá todo em chamas. Dona Antonia vestia um vestido rodado, o fogo subiu sobre suas vestes. O amigo focou todo queimado. Queimei-me também. Foi uma gritaria. Entramos em pânico. Os gritos de socorro se ouviam ao longe. Mesmo assim lembrei que existiam uns tambores de água que sempre estavam cheios. Peguei o edredom ensopei com água e abafei o fogo. Primeiro de dona Antonia, lançando sobre ela o edredom. Depois o meu colega e também o fogo que estava em minhas pernas. Deu tempo de salvar uma boa parte do barraco. Não sei com fui tão rápido, mas consegui. Ao sairmos ninguém avistamos. Meu amigo ficou horrorizado. Fomos então até a polícia, comunicamos o fato, porém nada foi resolvido. Meu amigo disse:
- Graças a Deus estamos vivos.
Ele era evangélico, e naquele momento nos convidou para fazermos uma oração agradecendo a Deus por ter poupado as nossas vidas. Após orarmos ele despediu-se prometendo voltar. Ele então voltou, e voltou para ficar, pois comprou um lote na invasão e tornou-se também um dos moradores. A partir de então as coisas não foram, mas as mesmas. Eu queria de qualquer forma vender o meu lote e sair dali.
Como disse, fiquei muito desesperado com tudo aquilo. Principalmente pelo fato de não ter nada contra ninguém, pelo contrário, éramos sempre amigos das pessoas. Fomos os primeiros moradores. As pessoas que futuramente viriam a morar ali também vinham, passavam o dia e a noite ia embora e pedia-nos para cuidar de seus lotes deixando os seus números de telefones para qualquer eventualidade que surgisse ligássemos. E geralmente, essas pessoas almoçavam com a gente, serviam-se da água do nosso poço e sempre nos deram o maior valor devido a nossa cordialidade. Agora, acontecendo uma coisa dessas. Sempre bebi, mas não tenho contenda com ninguém, pelo contrário, tenho é muitos amigos. Logo hoje que o Edmar estava por aqui. Bem, ele disse que voltaria, mas que imagem ele terá desse lugar? Falei com dona Antonia, não fico mais nenhum minuto por aqui. Morarei em qualquer lugar, menos aqui. Dona Antonia, no entanto, nada falava, apenas ouvia-me. Ela estava muito abalada com tudo, não entendendo o porquê daquele acontecido.
Tínhamos um amigo que morava no Paranoá que sempre nos apoiou em tudo. Era um profundo conhecedor da luta de dona Antonia para me ajudar a para de beber. Deus que ilumine esse nosso amigo. Nós o chamávamos de irmão Joelito. Pois bem, entramos em contato com o irmão Joelito, contamos-lhe o fato. E dissemos que não permaneceríamos mais naquele lugar. Não entendíamos o que teríamos feito para que fizessem isso conosco. Dona Antonia chorava muito. Estava desconsolada. O irmão Joelito convidou-nos para passar a noite em sua residência e pela manhã ele nos ajudaria no que fosse possível. E assim o fizemos.
No dia seguinte, fomos a um vilarejo chamado Jardim ABC. Encontramos alguns lotes, casas construídas e muitas pessoas interessadas em trocar com a gente. Porém, o lugar era tão feio, cheio de altos de baixos, muito mato. Sem nenhuma infra-estruturar. Principalmente porque este lugar já existia como vilarejo a mais de 15 anos. Fiquei a meditar sobre tudo aquilo. O irmão Joelito, muito sábio, nada nos falava a respeito. Simplesmente observava a nossa decisão. Olhamos vários lotes e casas, porém, nenhuma delas me agradou.
Chamei a dona Antonia em particular e lha disse:
- Toinha, eu sei que você está muito abalada por tudo o que aconteceu conosco. Agora, quero que você reflita comigo: não temos inimigos na invasão, muito pelo contrário, fizemos foi muitos amigos. Sempre que pudemos, recebemos as pessoas em nossa casa, independente de conhecê-las ou não. Agora, isso ter acontecido conosco sem razão alguma. Você não acha que estamos fugindo de algo que não sabemos? O que é mais certo: vir para este lugar sem valor, para o meio do nada? Ou enfrentarmos a realidade e assim, mantermos o pensamento de que quem não deve não teme?
Naquela hora, dona Antonia olhou para mim, com aquele olhar de felicidade e admiração e disse-me:
- Olha meu velho, mesmo que tenha acontecido tudo isso conosco. Eu confesso que fiquei muito abalada. Chorei muito, tinha mesmo que chorar. Fiquei com medo. Não queria que fosse assim, infelizmente foi. Determinei naquela hora em meu coração, permanecer por ali e assim, enfrentar o que por ventura viesse. No entanto, ao mesmo tempo, essa decisão teria que partir de você. Em hipótese alguma eu poderia tomar essa decisão sozinha. Conversei muito com o irmão Joelito enquanto você dormia. Foi então que ele me disse: “Olha irmã, o deixa tomar a decisão, porém vamos orar para que o irmão possa tomar a decisão certa.
Puxa, naquela hora senti-me muito valorizado. Então, resolvemos permanecer na invasão e não trocar o nosso lote. Voltamos para casa.
Agora, eu já fiscal, o meu salário aumentou um pouco. Porém, minha credibilidade diminuiu na empresa. Os dias foram passando e cada dia eu bebia mais. Não conseguia me controlar. Dona Antonia ficava horrorizada comigo. Ia às igrejas, fazia campanhas. Fazia de tudo para me ajudar, de nada adiantava. Eu estava totalmente dependente do álcool. Quando não bebia, todo meu corpo ficava trêmulo. Eu precisava beber. A bebida para mim era como o alimento. Não poderia viver sem ela. Embriagava-me todos os dias. Como dona Antonia sofria com isso. Muitas das vezes as pessoas passavam e diziam: “Olha dona Antonia, eu vi João Carlos caído em tal lugar.” Ela ia correndo para me buscar. Quando eu acordava, estava em casa banhado, com roupas limpas e deitado em minha cama. Não consegui cumprir a minha promessa de nunca mais fazer dona Antonia sofrer. Sou irresponsável.
O Edmar, nosso fiscal, fazia de tudo para que eu permanecesse no emprego. Cobria as minhas faltas, abonava os dias que eu não ia trabalhar devido a embriagues. Orientava aos garis que não comentassem nada sobre mim. Sempre dizia que eu estava passando por uma pressão psicológica muito forte. Os garis compreenderam isso. Eles gostavam muito de mim. Isso durou um bom tempo. Edmar, sempre conversava comigo, porém de nada adiantava. Dona Antonia falava de nada adiantava. Até mesmo o irmão Joelito falava muito, de nada adiantava. Meus irmãos vendo a luta e a dedicação de dona Antonia para me ajudar, também tentaram, porém de nada adiantara.
Eu tinha que beber. A sede era grande. Não dava para beber sem a bebida. Era impossível. Meus filhos não moravam mais em Brasília, sua mãe adquiriu um lote na invasão e o vendeu, voltando assim para o Piauí. Mas, quando eles estavam por aqui, sempre me pediam para parar de beber, imploravam para mim. Mesmo com esses pedidos eu não conseguia parar de beber. Até que um dia, estando trabalhando, senti um grande desejo de beber. Olhei ao meu redor, não vi ninguém. Apressadamente entrei no primeiro boteco e pedi uma pinga. Tomei-a em um só gole. A partir desse momento não parei mais. Fiquei completamente bêbado. Perdi as folhas de presença dos garis. Até o jaleco que usava escrito fiscalização, celular, documentos. Como disse, estava completamente embriagado. Naquele dia completaria um ano e nove meses que eu trabalhava naquela empresa. Alguém me viu e eu fui mandado embora. Graças ao meu amigo, o Edmar. Recebi os meus direitos trabalhistas. Não sei como ele conseguiu. Recebi as contas e lhas entreguei a dona Antonia e as seis parcelas do seguro desemprego.
Infelizmente, continuei bebendo muito, bem mais do que antes. Transformei-me em um verdadeiro mendigo novamente. Dormia em matos, nas calçadas, nas paradas de ônibus. Eu ficava dias sem tomar banho. Não me alimentava. Sempre dona Antonia ia atrás de mim chorando, implorando para que eu voltasse. Eu não voltava. Ela ia embora desconsolada e chorando por não ter conseguido me ajudar.
As pessoas diziam para ela: “Desista dona Antonia, você não vai conseguir, ali é um caso perdido.” Mas sempre ela respondia: “nunca desistirei dele, eu vou conseguir. Nem que seja a ultima coisa que eu faça nessa vida. Não desistirei.” E respondiam: “Você está louca.” Mas ela dizia: “Deixe-me com minha loucura.”
Dona Antonia nunca desistiu de mim pelo fato de que o dinheiro das contas terem ficado com ela, fez uma grande feira. O seguro, ela mesmo buscava no caixa eletrônico. Ou seja, ela tomou conta de tudo. Por minha vez, eu bebia para dormir e acordava para beber. Fiz novamente da minha vida, um lixo. Pois foi no lixo que decidi viver.

A nova moradia, coquetel molotov no quintal, e algumas bebedeiras


No outro dia fomos cedo até a invasão. Eu ainda estava um pouco fraco, por causa não só da ressaca que ainda sentia, mas também por não alimentar-me direito. Mesmo assim enfrentei. Andamos bastante. Parecia que nunca chegaríamos. Cerca de uma hora e meia depois de ter saído, chagamos. Um lugar muito bonito. Uma área plana e bem valorizado. Valia a pena investir. Peguei uma enxada, dona Antônia outra e começamos a limpeza. Chegando a tarde já havíamos acabado. Retornamos ao Paranoá, chegando em casa combinamos qual seria a melhor maneira de nos mudar, pois não dava mais como permanecermos no aluguel. Já que dona Antonia não estava mais trabalhando e meu salário era pouco. Dessa forma nunca iríamos conseguir ter nada. De repente, uma grande idéia:
- Olha dona Antonia, vamos fazer assim, com o restante do dinheiro vamos comprar umas madeiras usadas, umas telhas, maderites e pregos, então faremos um barraquinho. Compraremos somente um saco de cimento para fazermos o piso e então cairemos pra dentro. Só assim conseguiremos sair do aluguel. Já morando lá, teremos condições e mais ânimo para realizarmos o seu sonho, que é a sua casa. Olha Toinha, vai dar trabalho, mas conseguiremos.
Fomos até a minha vó, dona Júlia, e comentamos com ela o nosso plano. Minha vó era muito rude. Mas em alguns momentos seu coração amolecia um pouco. Graças a Deus, nesse momento seu coração estava mole. Ao falar do nosso plano a ela disse então a ela:
- Vó, como nós iremos fazer apenas um cômodo não poderemos levar todas as nossas coisas, queremos deixar as nossas coisas por aqui e quando pudermos crescer um pouco o barraco, viremos buscar-las. Mas não poderemos continuar a pagar aluguel, será que a senhora poderá nos ajudar?
Ela disse que poderia. Nem acreditei, porém era verdade. Como combinamos fizemos compramos as madeiras e construímos o nosso barraco. Ficou um pouco torto, no entanto não caí em nossas cabeças. Detalhe, o nosso dinheiro não deu para comprar o cimento. Dona Antonia então improvisou forrando o chão com uma lona preta. Ficou ótimo. Que alegria sentia dona Antonia. Naquele barraco de madeira que ficou todo tordo, pois eu não sou profissional. Pouco sei de como fazer barraco. Mesmo assim, eu via a sua alegria, que agora explodia em seu rosto. Comigo mesmo jurava que não mais faria dona Antonia sofrer. Por Deus eu jurava.
Os dias foram passando. Continuei de férias. Visitava minha vó periodicamente para saber sobre os móveis que por lá deixamos. Era um guarda-roupas, uma cama de casal e uma geladeira velha. Isso era tudo que tínhamos e dávamos muito valor. Certa feita viu em um parachoques de um caminhão que dizia: “Não tenho tudo que amo, mas amo tudo que tenho.” Essa frase sempre me chamou atenção, e sempre trago-a na memória. Valeu a pena, pois hoje sei amar as mínimas coisas.
Minhas férias estavam chagando ao fim. Certo dia, a invasão foi cercada pela polícia. Tal invasão tinha crescido assustadoramente. Em menos de um mês já eram mais de 12 mil famílias, cerca de 50 mil habitantes. A justiça não queria aceitar a gente morando por ali. Alegava que por se tratar de um terreno da União, teríamos de nos retirar dali. Ali tinha um homem que sempre defendeu a nossa causa. Seu nome, Pedro Barbudo. Juntamente com outros homens, tais como Enio Bastos (O advogado dos pobres) se uniram com o povo e conseguiram defender a nossa causa. Não só vieram a polícia de choque, mas também a cavalaria, inclusive carros tanques o que fez parecer uma guerra. Mas não abrimos mãos dos nossos sonhos, a nossa casa própria.
Dona Antonia, no entanto chorava muito. Tinha medo que não conseguiríamos vencer e voltaríamos a estaca zero. Mas eu sempre a encorajava dizendo que tudo iria dar certo. Isso a acalmava, porém ainda chorava. Lutamos bravamente, sem recuar. Até que o nosso advogado conseguiu uma liminar que suspendia a retirada dos invasores. Que festa! Que alegria! O povo pulava e gritavam os nomes desses dois “heróis” Pedro Barbudo e Enio Bastos (Advogado dos pobres). Novamente pude enxergar aquele brilho, aquela felicidade nos rosto de dona Antonia. Isso me deixava maravilhado. Conseguimos, a vitória é nossa!
Mais uma vez inventei de ir comemorar essa vitória. Tomei uma pequena dose de pinga. Isso foi o suficiente para passar toda aquela noite bebendo. A partir daí não consegui ficar nenhum só dia sem beber. Parecia que eu estava mais forte, pois não ficava mais embriagado. Conseguia agora manter as minhas responsabilidades. Puxa, como fui imaturo.
Terminadas as férias, voltei ao trabalho. Não era mais o mesmo. Antes das férias fui aquele funcionário dedicado, exemplar. Fazia de tudo para mostrar o meu potencial. E agora como seria? Fiquei um ano sem beber. Esse povo não me conhece bebendo. Agora bebo todos os dias. Não posso beber em serviço. Já havia perdido vários empregos por isso. Fui funcionário publico, perdi por causa da bebedeira. Fui vendedor em uma loja, perdi por causa da bebida. Fui porteiro em um condomínio de luxo, perdi por causa da bebida. Trabalhei em uma conceituada panificadora, também perdi por causa da bebida. Essa lista é quilométrica, não posso perder, de maneira alguma, esse emprego. Dona Antonia precisa de mim.  Meus filhos precisam de mim. E eu por minha vez, preciso muito desse emprego. Não decepcionarei nem a mim nem a ninguém. Continuarei da forma de antes. Que Deus me ajude!
Não consegui mais ir à igreja. Vez por outra eu ia, mas não tinha forças para continuar. Periodicamente a justiça enviava soldados para nos retirar de lá. Porém, ajudados por Pedro Barbudo e por Enio Bastos, sempre conseguíamos vencer. Aproximadamente quatro meses depois conseguimos então aumentar o nosso barraco. Construímos mais dois cômodos de madeira. O que possibilitou que dona Antonia mandasse buscar os móveis que haviam ficado na casa de minha vó. Ela teve que mandar buscar antes de construirmos, pois minha vó alegava que tinha que alugar o barraco e que as nossas coisas estavam dando a ela esse prejuízo. Buscamos os móveis e deixamos na casa do visinho. Interessante é que depois disso o barraco nunca foi alugado. Mas tudo bem. Nosso barraquinho agora tinha dois cômodos a mais, fizemos o piso. Estava um brinco. Isso deixava dona Antonia muito feliz, alegre e cantando a toa.
Eu continuava trabalhando, de vez enquanto enchia a cara no trabalho, meus colegas me escondiam do chefe. Dessa forma fiquei nessa empresa um ano e nove meses. Até que um dia o nosso supervisor me disse:
- João, a partir de hoje, você será o novo fiscal da empresa.
Não acreditei. Um cachaceiro como eu, fiscal? Mas esse supervisor me conheceu antes das férias. Eu não era mais o mesmo. Tinha mudado para pior. Mas ao mesmo tempo eu fiquei muito feliz pelo convite. Na verdade, eu tinha feito uma boa base. Pois no início, antes das férias, sempre fui um funcionário dedicado, responsável e com muita responsabilidade. Se for para me justificar, pelo meu retrospecto, eu mereci essa promoção. De bom grado eu aceitei, acreditando que poderia mudar com essa nova responsabilidade.
Ao chegar em casa, contei para dona Antonia, isso a deixou preocupada, por saber que seria muito difícil para mim, principalmente por que estava bebendo muito e chegava em casa quase todos os dias embriagado. Sem contar às noites que passava na rua bebendo. Novamente a tristeza invadiu o meu lar.
Dona Antonia fingia estar feliz. Por muitas das vezes eu a encontrava chorando dentro do quarto. Para mim não havia motivos para tantas lágrimas. Porém, isso era exatamente porque eu tinha voltado a beber e ela tinha muito medo de não conseguir aquilo que ela tanto sonhou, que era me ajudar.
Um dia, dona Antonia me disse:
- João, me ajuda a te ajudar.
Eu fingia não entender e saía para o primeiro boteco que via na frente. Eu não conseguia ficar mais sóbrio. No trabalho, agora fiscal, responsabilidade dobrada. Na verdade, quem terminava fazendo o meu serviço eram os próprios garis. Eu havia me transformado em um verdadeiro irresponsável. Não ligava para nada. Meus colegas estavam assustados e se perguntavam como uma pessoa pode mudar tanto em tão pouco tempo. Eles não entendiam. Não me conheceram bebendo. Pois quando eu entrei na empresa não bebia. Agora sou um verdadeiro pau d’água. Isso para eles foi um grande choque. Meus colegas faziam de tudo para me ajudar, esforçando-se para que eu não perdesse o emprego. Até que um dia um dos fiscais me disse:
- João, eu gosto muito de você, quero o seu bem. Dei-te o maior apoio quando você foi apontado para ser fiscal. Ensinei-te o trabalho, enfim, ajudei-te da melhor forma possível. Agora ao te ver dessa forma, João, bebendo e embriagado no serviço. Quantas vezes eu via os garis, que trabalham com você entrando contigo completamente embriagado. João, o supervisor perguntou por você e eu disse que você estava bem. Porém ele me perguntou por que os garis entraram com você no vestiário. Eu lhe disse que não sabia. Portanto, meu amigo, você lembra-se do seu primeiro dia? Você trabalhou extraordinariamente muito bem. Gostei muito mesmo do seu desempenho. No final te parabenizei dizendo que você tinha tudo para crescer dentro da empresa. Pois bem João, Infelizmente você tinha tudo para crescer dentro da empresa, hoje você não tem. Mas te pergunto: Onde está aquele João que nos impressionava com o seu dinamismo, com seu desempenho e responsabilidade? Meu amigo, hoje você falta serviço e quando vem para trabalhar, ao invés de trabalhar faz é dar trabalho por estar embriagado. O que está acontecendo com você?
Naquele momento as lágrimas desciam como chuva, eu não conseguia mais me controlar. Não dava mais para me controlar. Voltei gradativamente a beber demais. Eu estava bebendo mais que antes. Dona Antonia fazia de tudo para me ajudar, mas dessa vez sem sucesso. Puxa como ela sofria comigo. Eu saía para beber e não voltava para casa. Ela não dormia preocupada comigo. Saía altas horas da noite para tentar me encontrar, mas não encontrava. Novamente fiz da minha vida um grande caos.
Terminando o fiscal de falar comigo disse:
- João, eu quero nesse final de semana ir à tua casa, passar o dia com você.
Ele era um ótimo amigo, e tudo isso era exatamente para evitar que eu fosse novamente ao boteco. Tudo bem, e ficou assim. No próximo final de semana ele iria para minha casa. Chegando em casa, falei com dona Antonia, ela aceitou de muito bom gosto. Cuidou de todos os preparativos para receber o meu amigo. Eu sempre comentei sobre ele. Principalmente pelo fato de ainda continuar trabalhando por causa dele. Por ser ele o responsável por qualquer irresponsabilidade dos fiscais, nunca citava meu nome em seus relatórios. Por isso eu continuava trabalhando.
Chegando o final de semana, ele foi para minha casa. Chegou bem cedo, como prometera. Conversamos bastante. No dia anterior não bebei. Foi difícil, mas consegui. Conversamos sobre o trabalho, sobre o salário, sobre a vida. Enfim, falamos sobre muitos assuntos. Ele conheceu dona Antonia, amou-a. principalmente a forma da qual nós nos conhecemos. E a sua determinação em me ajudar que pusera em seu coração. E mesmo passando por todas essas decepções comigo, jamais desistira. E ele dizia para ela:
- A senhora, para mim, é uma grande heroína. A senhora vai conseguir. Nunca desista. Continue com essa tua força. Eu acredito nessa tua força, nessa tua garra. Você esta de parabéns.
Dona Antonia ficava maravilhada com aquelas palavras. Confesso que eu também. Mesmo que eu não estava me esforçando para não beber. Mas, de alguma forma, as palavras do meu amigo mexeram comigo. E a primeira frase que vinha na minha mente era: “João me ajude a te ajudar.” Naquela hora senti um arrepio sobre todo o meu corpo. Alguma coisa tinha que mudar em minha vida.
A invasão era um local muito perigoso. Havia muitos assaltos e furtos nas casas. Pessoas eram assaltadas na rua independente do horário. Andavam armados. A polícia até que passava por lá, sem poder fazer muita coisa, pois a invasão era imensa. Muitas atrocidades aconteciam em nossa região. Mas me proíbo em contar detalhes.
Nesse mesmo dia, aconteceu em minha casa um fato que faço questão de comentar-lhes. O fiscal estava por lá esse final de semana. As horas avançaram sem que percebêssemos. Almoçamos, lanchamos, rimos, choramos. Contamos histórias e ouvimos estórias. Contamos piadas, relembramos coisas boas e ruins. Aproximando por volta das 18 horas. Em meu lote não havia ainda muros. Dona Antonia, cercou-o apenas com madeiras usadas que ela comprava e vendia para assim ajudar nas despesas. Não tinha água encanada. Com muita luta conseguimos abrir um poço. Tinha um pequeno portão que ficava todo o tempo fechado. Como disse, era um lugar muito perigoso. Não podíamos arriscar. A porta da frente estava aberta. De repente, não sei por qual motivo, alguém lançou um coquetel molotov em minha casa. Existia um sofá velho em minha casa, que alguém havia jogado fora, eu o peguei e coloquei em minha casa. O vidro de gasolina, como fosse uma grande lamparina, foi lançado. Nossa sorte foi que o vidro não quebrou, caiu sobre o nosso sofá. A gasolina com o fogo derramou. O fogo subia sobre os maderites. O sofá todo em chamas. Dona Antonia vestia um vestido rodado, o fogo subiu sobre suas vestes. O amigo focou todo queimado. Queimei-me também. Foi uma gritaria. Entramos em pânico. Os gritos de socorro se ouviam ao longe. Mesmo assim lembrei que existiam uns tambores de água que sempre estavam cheios. Peguei o edredom ensopei com água e abafei o fogo. Primeiro de dona Antonia, lançando sobre ela o edredom. Depois o meu colega e também o fogo que estava em minhas pernas. Deu tempo de salvar uma boa parte do barraco. Não sei com fui tão rápido, mas consegui. Ao sairmos ninguém avistamos. Meu amigo ficou horrorizado. Fomos então até a polícia, comunicamos o fato, porém nada foi resolvido. Meu amigo disse:
- Graças a Deus estamos vivos.
Ele era evangélico, e naquele momento nos convidou para fazermos uma oração agradecendo a Deus por ter poupado as nossas vidas. Após orarmos ele despediu-se prometendo voltar. Ele então voltou, e voltou para ficar, pois comprou um lote na invasão e tornou-se também um dos moradores. A partir de então as coisas não foram, mas as mesmas. Eu queria de qualquer forma vender o meu lote e sair dali.

Voltando a beber muito


Em toda esta trajetória, alguns meses se passaram. Eu estava muito machucado com todos esses acontecimentos. Mas continuava firme com o propósito de não beber mais. Muitas provações, muitos obstáculos, mas graças a Deus superei a todos. Até que um dia tivemos a oportunidade de sair do aluguel. Tínhamos que agir. Próximo ao Paranoá existe uma grande área da União, os inquilinos do Paranoá a muito lutavam por uma moradia. Várias manifestações. Ficavam dias acampados com barraquinhas de lona na praça central e gritavam palavras de ordem: “QUEREMOS MORADIA!” esta luta durou várias décadas. E eu já tinha morado de aluguel em quase todas as quadras do Paranoá, não que eu fosse um mau inquilino, mas tinha que procurar um preço mais em conta. Inclusive morei um tempo na casa da minha vó com dona Antônia, só nesse momento era diferente, estávamos pagando aluguel. Não havia possibilidades de humilhações como outrora. Sentia-me independente, estava trabalhando, com uma esposa responsável. Não estava bebendo, estava totalmente mudado. Isso me alegrava muito. Estava completando um ano na empresa. Recebi o aviso de férias. Puxa vida! Que Felicidade! Vou tirar férias! Combinei então com Dona Antônia que assim que saísse o aviso de férias iríamos procurar um lote na invasão. Dois dias depois vieram as férias. Já estava tudo combinado, com o dinheiro das férias compraremos um lote, caso não consigamos invadir um. Mas infelizmente tive um triste empecilho. Fui à empresa, peguei o dinheiro das férias. Eu estava muito feliz, minhas primeiras férias. Dona Antônia tinha saído do serviço, mas estávamos conseguindo manter a casa, ainda que o salário não fosse muito bom. Mesmo assim estava super feliz.
De repente, tive uma idéia: poderia tomar uma cerveja e parar, simplesmente para comemorar. Uma cervejinha não iria me fazer mal algum tão pouco me deixaria embriagado. Puxa, dona Antônia vai ficar super triste comigo. Ah, ela nem precisa ficar sabendo. Mas ela vai perceber. Hum! Nada que umas balinhas de hortelã e um ou dois cravinhos não resolvam, afinal não sou de ferro. Já tem mais de um ano que não bebo. Eu mereço tomar uma inofensiva cervejinha. Travei essa luta comigo mesmo, bebi. Como diz uma inofensiva cerveja não faria mal nenhum. Tudo bem! Cheguei ao bar, aproximei-me do balcão. As pessoas que ali estavam me encararam com espanto, pois muitos deles já haviam me convidado para beber e sempre respondia que tinha parado.  Estava um pouco inseguro, com medo. Não sei ao certo. Mas sentia que eu estava iniciando a minha própria cova. Mesmo assim falei: “uma cerveja, por favor!” Trouxeram-me a cerveja. Tomei um copo, detalhe, em um só gole. Dois copos, dois goles. Três copos, três goles. E assim foi. Alguns diziam: “Puxa, ele estava com muita sede para beber.” Confesso que estava sim. Comecei a entrar nas conversas, nas piadas, nos risos. Em todos os assuntos que rolavam. Outra cerveja, outra mais. Pinga, cigarro. Põe uma para o amigo. Nisto, quando me dei por mim estava andando descalço, sem camisa, todo sujo. E o pior, três dias haviam se passado. Não sabia ao menos o que havia acontecido e toda aquela alegria que havia sentido antes se transformara em lágrimas e arrependimento. Porque fui beber? Não era para ser assim. Por quê? Lembrei-me do dinheiro das férias. Meti a mão no bolso e nada. Deve estar no outro bolso, pensei. Nada! E agora? Bêbado, eu perdi todo o dinheiro. E dona Antônia, onde estará agora? Afinal faz três dias que não vou em casa. E só fiquei sabendo que dia era por ter perguntado e alguém me respondeu que era domingo. Levei um grande susto pois tinha saído de casa na sexta pela manhã.
Eu estava angustiado, muita tristeza. E agora o que farei? Voltarei para casa, contarei tudo à dona Antônia que com certeza irá me compreender. Passei no mesmo boteco e perguntei o que havia acontecido comigo, pois de alguma forma eu queria recuperar o dinheiro ou saber se haviam me roubado e quem havia me roubado. Afinal, não havia possibilidade de ter gasto todo aquele dinheiro com bebida. Alguém tinha me roubado e eu queria descobrir quem foi que fez isto. Infelizmente, não consegui ajuda alguma naquele bar. O que me disseram foi: “Você pagou a sua conta e disse que iria para casa. Porque iria sair do aluguel, iria morar na invasão.” Perguntei-lhes se eu teria saído sozinho. “Que eu saiba sim! Ninguém saiu com você!” Bom, se aquele homem estava mentindo ou não eu não sei. Se estiver mentindo o futuro dirá. Mas estava com uma tremenda ressaca. Quem bebe sabe, um bom remédio para uma ressaca é outra bebida. Mas infelizmente eu estava sem nenhuma moeda. Alguém havia me roubado. Pedi para aquele homem uma pequena dose que depois eu pagaria, pois já não agüentava mais. Ele me vendeu aquela dose. Fui então para casa.
Chegando em casa dona Antônia estava lavando roupas. Eu morava na casa da minha vó de aluguel. Ela, dona Antônia, correu ao meu encontro e abraçou-me, beijou-me e começou a chorar. Chorando agradecia a Deus dizendo: “Obrigado meu Deus por guardar ele, obrigado!” Levou-me para dentro, deu-me um banho. Fez um caldo de ovo e me deu. Pois eu estava muito fraco. Quando estou bebendo não me alimento, e ela sabia disso. Eu quis comentar alguma coisa, tentar me justificar de alguma maneira sobre o que havia acontecido.  Ela simplesmente me dizia: “Não fale nada agora. Durma um pouco, depois conversamos. Não se preocupe, está tudo bem.” Eu pensava: “Coitada, quando ela souber que o dinheiro das férias não estava mais comigo. Que Gastei tudo ou que fui roubado. Não sei não. Mas ela vai ficar muito triste comigo.” Eu não sabia em hipótese alguma o que realmente havia acontecido comigo. Nisto ela saiu, voltou para o tanque e continuou lavando as roupas. Eu fiquei ali deitado e adormeci. O emprego estava salvo, pois estava de férias. Dormi o restante daquele dia e durante toda a noite.
Acordei na manhã seguinte, bem cedo. Tomei um banho, sentei-me ao lado de Dona Antonia. Ela dormia como criança. Passei as mãos em seus cabelos e comecei a chorar. Perguntava-me porque fui beber? Ela já estava acreditando em mim. Agora esta decepção. Por quê?
Dona Antônia foi despertando. Olhou para mim, deu-me um belo sorriso e disse-me:
- Não chore, você vai conseguir. Não se perturbe com nada, tudo vai voltar ao normal.
Eu não suportava, simplesmente chorava muito. Não tinha como conter as lágrimas. Foi então que eu disse:
- Toinha, eu perdi todo o dinheiro das férias. Gastei ou alguém me roubou. Não sei, perdi. Não tem mais como sairmos do aluguel. Agora me desculpe. Mais uma vez coloquei tudo a perder.
Ela olhou para mim, levantou-se e me deu aquele abraço apertado. E falou baixinho ao ouvido:
- Está comigo.
Levei um tremendo susto.
- O que? Está com você?
Ela disse:
- Olha João, na sexta-feira a minha irmã te viu lá no Zé Gatinho (Local onde comecei a beber, Zé Gatinho era o proprietário do bar e gostava de humilhar os bêbados, principalmente quando não tinham dinheiro para beber. Lembro-me que quando vivia com a Maria José, chegava a seu bar implorava uma dose, mas como estava sem dinheiro, ele não dava, mas dizia, posso até te dar uma dose se você ficar um tempo lá fora dizendo bem alto: “Eu sou corno, a minha mulher me traiu com o pastor da igreja.” E eu fazia isso por uma dose.) bebendo e veio correndo me avisar. Eu disse a ela que não acreditava, mas mesmo assim fui averiguar. Saí daqui chorando, sem acreditar. Tomara que não seja ele. Ai meu Deus, dá-me forças para ajudá-lo. Preciso ser forte. Fui correndo. Chegando lá, vi você. Comecei a me tremer toda. Sem querer acreditar. Já fazia mais de um ano que você não bebia. De repente, te vi ali. Totalmente embriagado. Falando coisa com coisa. Ninguém compreendia o que você falava. A única coisa que eu entendia era: essa é minha esposa. Perguntei-lhe sobre o dinheiro, você meteu a mão no bolso e me entregou tudo. Perguntei ao Zé gatinho se você já havia pagado a conta. Ele respondeu-me que não. Paguei e pedi a ele que nada lhe falasse a respeito do dinheiro. Pois tinha certeza de que você não se lembraria de nada do que estava acontecendo. E ele me jurou que nada contaria a você. Ao mesmo tempo, eu tinha medo de você melhorar e com o efeito da ressaca, pegar o dinheiro de volta e gastar tudo. Tentei trazer-te de volta para casa. Porém, você dizia que mulher não te domina e que iria quando quisesse. Você falava enrolado, mas dava para entender. De repente você rasgou sua camisa. Confesso que naquele momento fiquei com muito medo de você. Você me olhava com os olhos arregalados, como se estivesse com muita raiva de mim. Naquela hora, pedi muita proteção a Deus, com medo de que você fosse me agredir. Tudo bem, meu velho. Você não quer ir agora, depois você vai. Estarei te esperando em casa. Eu chorava muito. Não queria chorar, mas não dava para me controlar. Desculpe-me meu valho por eu ter ido atrás de você, me perdoa. Porém, eu sabia que outros poderiam se aproveitar da situação e gastaria todo o seu dinheiro. Por isso eu fui atrás de você. Fui também por não acreditar em minha irmã. E sobre os seus sapatos e meias, fiquei sabendo que você os apostou em uma queda de braço e os perdeu.
Eu perguntei a ela:
- E depois disso, o que aconteceu?
Ela respondeu-me:
- Você saiu do bar, deitou na calçada e ali dormiu. Eu voltei para casa imaginando que quando você acordasse retornaria. A tardezinha eu voltei ao bar do é Gatinho e não te encontrei. Perguntei ao Zé Gatinho que me disse:
- Ele levantou, veio e me pediu uma pinga, eu lhe disse, primeiro o dinheiro. Meteu a mão no bolso, não encontrando nada, me pediu fiado. Implorou-me, mas eu não vendi. Disse até que falaria que era corno no meio da rua, para ganhar a pinga. Essa história de dizer que era corno era uma brincadeira que eu fazia com ele há muito tempo atrás. Mas não se preocupe dona Antonia, em consideração a senhora, a partir de hoje, ele mesmo pagando ou outra pessoa pagando para ele, em meu estabelecimento ele não bebe mais. Não o proibirei que entre, porém ele não bebe mais aqui dentro. A senhora vai conseguir, e eu vou te ajudar.
Dona Antônia continuou dizendo:
- Nisto eu saí, procurei-te em vários lugares, mas infelizmente não consegui te encontrar. E também por que já estava ficando tarde, e como você sabe aqui é muito perigoso. Chegando a casa, passei a noite pedindo a Deus para que te guardasse. Quando amanheceu te vi lá na roda. Conversei um pouco com você e tentei trazer-te de volta. Mas você não veio. Lá você dormia, acordava, bebia. Embriagava-se de novo. Eu levava comida, porém você não comia. Dava para os outros. Oh meu velho, como eu chorei por te ver assim de novo. Anoitecia e você sumia. Até que um dos que bebia com você me disse que você teria ido dormir na Zefa (espécie de abrigo dos desabrigados) dormia lá e não sabia. Não via quando chegava e nem quando saía (amnésia alcoólica). Até que no domingo você resolveu voltar. Isso foi o que aconteceu meu velho.
Por dentro de mim havia um tremendo vazio. A tristeza, o arrependimento. Os porquês daquilo tudo. Era uma grande luta. Tudo bem, não perdi o dinheiro, nem ninguém tinha me roubado. O dinheiro estava salvo. Porém, eu via o sofrimento de dona Antonia. Eu queria cuidar dela. Ela tinha tido uma vida de muito sofrimento. Um casamento desfeito. Ela tinha uma filha que a justiça havia determinado que ficasse com o pai. Por ela não aceitar, entrou numa tremenda depressão. Sendo ela obrigada por isso usar camisa de força. Sendo internada como louca. E agora eu? Como poderia causar todo esse sofrimento a ela. Isso não podia continuar assim. Eu tinha que erguer a cabeça. Ter firmeza e cuidar bem dela. Pois ela merece tudo de bom. Durante todo esse tempo simplesmente provou com tudo que me amava. Conservarei esse amor por toda a minha vida. E prometo que nunca tirarei a sua felicidade, independente do que aconteça.
Toda essa linha de pensamento eu iria fazer de tudo para conseguir cumprir. Mais uma vez dona Antonia me ajudou, mesmo eu não merecendo. Eu estava de férias e queria aproveitar o tempo para fazer alguma coisa. Pois quando eu voltasse a trabalhar o meu tempo ficaria reduzido. Falei com dona Antonia:
- Graças a Deus e a você o dinheiro foi salvo. E você sabe, a gente termina gastando sem nem perceber. Vamos até a invasão ver se conseguirmos um lote. Porque pelo que estou sabendo toda a área já foi invadida.
Nesta hora, tive uma surpresa, porque dona Antonia já tinha resolvido tudo. Naquele domingo bem cedinho ela já tinha ido à invasão, comprado um lote e pediu para alguém cuidar até que ela voltasse comigo para limpá-lo.
Neste momento, chegou a hora de dar aquele abraço bem apertado em dona Antonia, olhando profundamente em seus olhos e dizer: Obrigado. Ela me disse:
- Meu velho, o que eu mais quero nessa vida é um lugar para morar. Cansei de aluguel. Tenho certeza que abaixo de Deus, é você que irá realizar o meu sonho.
Respondi-lhe:
- Nós iremos realizar. E prometo que jamais desistirei dos teus sonhos. Aconteça o que acontecer nós conseguiremos a nossa casa. Esse será o seu presente, em forma de gratidão, por tudo o que você tem feito por mim.

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Ouvindo e Crendo


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